Toda norma jurídica é composta fundamentalmente por norma-regra e norma-princípio. Essas vertentes possuem distinções essenciais, mas que quando aplicadas conjuntamente instituem dinâmica ao sistema, vislumbrando alcançar diferentes efeitos e finalidades.
As regras são relatos descritivos, isto é, algo determinável e que enseja uma solução apriorística. Já os princípios são relatos valorativos que constituem cláusulas abertas, visando otimizar o sistema e direcionar a elaboração das regras.
Assim, dentre os diversos princípios que permeiam o estudo do Direito Civil, a boa-fé objetiva caracteriza um importante alicerce para o direito contratual, idealizando o comportamento ético e probo que se espera dos contraentes.
O artigo 422 do Código Civil dispõe que “Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé”.
A boa-fé objetiva preceitua, portanto, um conceito de eticidade, ou seja, a lealdade e a confiança que deve obrigatoriamente nortear o comportamento dos contraentes no decurso de toda relação contratual. Nesses termos, ela possui uma tríplice função: a Função Interpretativa, a Função Integrativa e a Função Limitadora.
Interpretar significa a busca pelo sentido e alcance da norma. Nesse sentido, a Função Interpretativa é o mecanismo de interpretação de todo o contrato em meio às suas inúmeras cláusulas, que devem obedecer, assim, a disposição de eticidade e probidade entre as partes.
O artigo 113 do Código Civil estabelece que “Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração”.
Toma-se como exemplo da função interpretativa da boa-fé objetiva uma relação entre locador e locatário no tocante a um contrato de locação. Vejamos:
Pode haver uma disposição no contrato exigindo a devolução do imóvel devidamente pintado, porém, sem especificar a cor. O locatário, somente para se contrapor ao locador, poderia pintar o imóvel na cor preta e estaria, assim, adimplindo normalmente sua obrigação contratual. Contudo, a boa-fé objetiva enaltece o comportamento ético que precisa prevalecer entre as partes, de modo que o dever do locatário seria devolver o imóvel não apenas pintado, mas na mesma cor em que lhe foi entregue.
Já a Função Integrativa engloba os deveres anexos/implícitos ao contrato, ou seja, são os deveres que existem na relação contratual, queiram as partes ou não.
A probidade, a honestidade, e o fornecimento de informações são alguns exemplos dos deveres anexos da boa-fé objetiva. Logo, o contratante que cumpre os deveres negociais, mas deixa de cumprir os anexos, incorre na figura da violação positiva da obrigação contratual. (STJ, REsp. 988.595/SP)
Acerca desse tema, leciona o professor Cristiano Chaves de Farias, na sua obra Curso de Direito Civil: Contratos: “Adimplir significará atender a todos os interesses envolvidos na obrigação, obedecendo tanto os deveres ligados à prestação propriamente dita, como àqueles relacionados à proteção dos contraentes em todo o desenvolvimento do processo obrigacional. ”
Dessa função integrativa nascem institutos como o “Venire Contra Factum Proprium”; o “Supressio” e “Surrectio”; e o “Tu Quoque”, que serão detalhadamente vistos em outra oportunidade.
Por fim, a Função Limitadora/Restritiva impede o exercício de direitos contratuais de maneira abusiva, havendo, destarte, uma perceptível correlação com a figura do abuso de direito. Um exemplo dessa função limitadora é a Teoria do Adimplemento Substancial (STJ, REsp. 272.739/MG), a qual também poderá ser estudada em outro momento.
Não obstante, é importante ressaltar que a boa-fé objetiva não se destina a corrigir posições de hipossuficiência. É dizer que não se pode suscitar esse princípio para eliminar vantagens licitamente obtidas ou simplesmente corrigir um desequilíbrio contratual.
Não se toma partido entre qualquer um dos contraentes, apenas se exige que ambos sejam éticos durante todas as fases da relação contratual. Por sua vez, o mecanismo utilizado para proteger determinada parte hipossuficiente de eventuais abusos é o Dirigismo Contratual, ou seja, a intervenção do Estado na relação privada, cuja finalidade é garantir o atendimento aos valores consagrados pela Constituição Federal de 1988.
Roberto Zandoná Junior